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Moçambique

Eventos de 2019

O presidente de Moçambique, Filipe Nyusi (C-L) e o líder da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), Ossufo Momade (C-R) abraçam-se após a assinatura de um acordo de cessar-fogo em Maputo, Moçambique, em 6 de agosto de 2019.

© STRINGER / AFP

Em agosto, o presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, e Ossufo Momade, líder do principal partido da oposição do país, a RENAMO, assinaram um novo acordo de paz para por fim a anos de violência e abrir caminho às eleições de outubro. Um mês depois, o país recebeu a visita do papa Francisco, cuja presença visou fortalecer o acordo de paz. Apesar do acordo, a campanha eleitoral foi manchada pela violência política, que visou maioritariamente apoiantes do partido da oposição.

Em 2019, a onda de ataques cometidos pelo que se suspeita ser um grupo islâmico armado aumentou na província de Cabo Delgado, no norte do país. Os soldados enviados para a região para combater os grupos armados foram implicados em atos de intimidação, detenções arbitrárias e maus-tratos aos detidos. Os jornalistas e ativistas continuaram a enfrentar intimidação e assédio e continua a não haver responsabilização pelos crimes do passado.

Violência Eleitoral

A sexta eleição geral do país foi marcada por violência e ataques com motivação política. Em outubro, o observador eleitoral Anastácio Matavele foi morto a tiro em plena luz do dia, alegadamente por cinco membros da força policial de elite. O incidente teve lugar uma semana antes do dia das eleições, na província de Gaza, onde a Human Rights Watch documentou abusos e atos de violência graves desde o início da campanha eleitoral em 31 de agosto, que incluem violações do direito à reunião pacífica e a detenção arbitrária de candidatos da oposição.

Na sua avaliação das eleições, a Comissão Eleitoral expressou preocupação com os “casos crescentes de destruição de material de propaganda, violação da liberdade de reunião e ataques físicos” e com o facto de, em duas semanas de campanha, 14 pessoas terem morrido e 29 terem sido detidas.

Além disso, veículos que circulavam nas províncias de Manica e Sofala, perto de Gorongosa, foram atacados em diferentes ocasiões por homens armados que se acredita fazerem parte de um grupo dissidente de guerrilheiros da RENAMO que rejeitaram o acordo de paz de agosto. O líder do grupo reivindicou dois dos ataques e ameaçou continuar se a campanha eleitoral não fosse suspensa.

Violações e Ataques no Norte

Continuaram os ataques cometidos na província nortenha de Cabo Delgado pelo que se suspeita ser um grupo islâmico armado, conhecido localmente como Al-Sunna wa Jama'a e Al-Shabab, com os grupos armados a mudar de táticas. Além da decapitação de pessoas e do fogo posto em casas, o grupo esteve implicado no sequestro de mulheres, bem como em ataques a transportes públicos e no assassinato de militares.  O grupo extremista Estado Islâmico (ISIS) reivindicou pelo menos dois dos ataques; no entanto, a extensão do envolvimento do ISIS, caso a haja, não é clara. Os ataques começaram em outubro de 2017 às esquadras de polícia do distrito de Mocimboa da Praia, tendo-se alargado a outros distritos na zona norte de Cabo Delgado, principalmente em Macomia, Palma e Nangade. A violência também afetou o processo eleitoral, levando o governo a impor restrições aos cortejos de campanha no norte de Cabo Delgado.

Impunidade por Crimes Passados

Continuou a haver impunidade nas violações graves cometidas pelas forças de segurança do Estado e da RENAMO e, em julho, o parlamento aprovou uma lei de amnistia ampla que isenta os membros da RENAMO de serem processados por crimes cometidos entre 2014 e 2016. Durante este período, tanto as forças de segurança e defesa do governo como os guerrilheiros armados da RENAMO estiveram envolvidos em combates esporádicos que levaram a graves violações dos direitos humanos, incluindo desaparecimentos forçados, tortura, assassinatos e destruição de propriedade privada, documentados no relatório de 2018 da Human Rights Watch "O Próximo a Morrer".

Liberdade de Expressão e Reunião

Durante 2019, continuou a repressão dos direitos à liberdade de expressão e reunião pacífica. Em janeiro, a polícia cercou o gabinete de Maputo do Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização independente da sociedade civil, após o CIP ter lançado uma campanha contra o pagamento de empréstimos ilegais no valor de cerca de 2,2 mil milhões de dólares. A polícia também ordenou que as pessoas despissem as t-shirts da campanha e parassem de distribuí-las. Em março, as autoridades interromperam uma marcha organizada por uma escola primária local para assinalar o carnaval celebrado anualmente na cidade. Dias depois, o presidente da câmara de Maputo rejeitou os planos do Fórum Mulher, o principal grupo de direitos das mulheres de Moçambique, de marchar contra a violência doméstica no Dia Internacional da Mulher.

Liberdade dos Meios de Comunicação

As forças de segurança do Estado intimidaram, detiveram e moveram processos judiciais contra jornalistas que cobriam a luta contra um grupo islâmico armado na província de Cabo Delgado, no norte do país. O governo impediu os órgãos de comunicação social e os jornalistas de visitarem a província e o exército e a polícia detiveram os jornalistas que conseguiram chegar ao local. Em janeiro, a polícia do distrito de Macomia deteve, sem mandado, os jornalistas Amade Abubacar e Germano Daniel Adriano enquanto entrevistavam habitantes das aldeias que haviam fugido das suas casas devido à intensificação dos ataques. Abubacar foi mantido em prisão preventiva durante quase 100 dias, incluindo 12 dias em detenção militar incomunicável. Um mês antes, um académico, um jornalista e um motorista foram detidos por soldados no distrito de Mocimboa da Praia após terem entrevistado habitantes da aldeia de Chitolo. 

Direitos das Mulheres e Meninas

Em março, o ciclone tropical Idai atingiu a região da cidade costeira da Beira, causando fortes chuvas que deixaram aldeias inteiras submersas nas províncias de Manica, Sofala e Zambézia, à medida que as águas das cheias iam subindo. Dezenas de milhares de pessoas foram deslocadas e, segundo as Nações Unidas, mais de 1,85 milhões de pessoas, a maioria das quais mulheres e crianças, precisaram de assistência urgente. Vítimas, residentes e trabalhadores humanitários contaram à Human Rights Watch que os líderes das comunidades locais coagiram as mulheres a ter relações sexuais consigo em troca de ajuda.

Houve algum progresso significativo nos direitos das mulheres e meninas moçambicanas. Em dezembro de 2018, o Ministério da Educação de Moçambique revogou um decreto de 2003 que proibia meninas grávidas e mães adolescentes de frequentarem aulas no ensino diurno e ordenava que frequentassem apenas o ensino noturno. Em julho, a assembleia nacional de Moçambique deu um passo importante para acabar com o índice elevado de casamentos infantis do país, adotando por unanimidade uma lei que proíbe o casamento de menores de 18 anos, sem exceção.

Direitos dos Portadores de Deficiência

Embora os relatos de ataques e sequestros de pessoas com albinismo tenham diminuído desde 2015, são muitas as famílias de crianças albinas que ainda vivem no medo, algumas das quais afastando os filhos da escola. Em 2019, a Human Rights Watch também descobriu que as crianças que vivem com albinismo na província de Tete enfrentam discriminação, estigma e rejeição na escola, na comunidade e, por vezes, nas suas próprias famílias. Têm dificuldade em superar barreiras, como ameaças de ataques, bullying e falta de adaptações razoáveis na sala de aula, que violam o seu direito à educação.

Orientação Sexual e Identidade de Género

Quatro anos após a despenalização da homossexualidade em Moçambique, e apesar de uma decisão judicial de novembro de 2017 que declarou inconstitucional uma lei que possuía disposições vagas sobre "moralidade", que eram utilizadas para justificar a negação de registo a grupos de lésbicas, homossexuais, bissexuais e transgénero (LGBT), o governo continua a não aceitar o registo do maior grupo LGBT do país, Lambda.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU apelou em várias ocasiões ao governo para que registasse organizações não-governamentais que trabalham com as problemáticas da orientação sexual e identidade de género. Apesar de as autoridades demonstrarem alguma tolerância às relações entre pessoas do mesmo sexo e à não conformidade de género, os indivíduos LGBT continuam a sofrer discriminação no trabalho e maus-tratos por parte de familiares.

Principais Atores Internacionais

A Suíça foi fundamental na intermediação do acordo de paz de agosto de 2019 em Moçambique, tendo os diplomatas suíços desempenhado um papel fulcral como mediadores. Em agosto, o presidente da Comissão da União Africana saudou a amnistia assinada naquele mês como um marco fundamental no fim do conflito moçambicano. Em junho, Moçambique acolheu pela primeira vez a Cimeira de Negócios EUA-África. Embora a cimeira tenha sido importante para promover o investimento no país, a agenda não incluiu discussões sobre as ligações entre negócios, insegurança e direitos humanos nas áreas consideradas pelos investidores.

O Papa Francisco visitou Moçambique em setembro. Encontrou-se com jovens de diferentes religiões, bem como líderes políticos e civis, incentivando-os a consolidar o acordo de paz. Em setembro, a União Europeia, que enviou 32 observadores eleitorais em missões de longo prazo para as eleições gerais, manifestou preocupação com a violência e o assédio políticos durante a campanha. Após as eleições, a UE disse que a missão dos seus observadores identificou algumas irregularidades e más práticas no dia das eleições e durante o processo de gestão de resultados, incluindo introdução de votos fraudulentos nas urnas, votação múltipla, invalidação intencional de votos na oposição e alteração dos resultados das assembleias de voto com a introdução fraudulenta de votos adicionais.